terça-feira, 15 de julho de 2014

Nadine Gordimer, Nobel de Literatura, morre aos 90

Escritora sul-africana foi um dos principais nomes na luta contra o apartheid

O último romance da autora, 'O Melhor Tempo É o Presente', sai agora no Brasil pela Companhia das Letras
DE SÃO PAULO
A escritora sul-africana Nadine Gordimer, prêmio Nobel de Literatura e uma das principais vozes do mundo literário contra o apartheid, morreu no domingo (13), aos 90 anos, em sua casa em Johannesburgo (África do Sul).
De acordo com um comunicado divulgado pela família da escritora, ela morreu durante o sono, ao lado dos filhos, Hugo e Oriane.
A família não divulgou a causa da morte. Em março deste ano, a agência Ansa divulgou que Gordimer sofria de câncer no pâncreas.
O último livro da escritora, "O Melhor Tempo É o Presente", sobre os dilemas de um romance inter-racial na África do Sul, acaba de ser publicado no Brasil pela Companha das Letras. A editora também publicou outros livros de Gordimer, como "Ninguém para me Acompanhar" e "A Arma da Casa".
Os dois volumes das memórias da escritora, "Tempos de Reflexão", foram lançados pela Globo Livros.
No total, Gordimer escreveu 15 romances e vários contos. Em todos eles, comentou a opressão, a violência, a discriminação racial e as consequências do apartheid na sociedade sul-africana.
Por conta dessa temática, três livros da autora foram proibidos na África do Sul, inclusive "A Filha de Burger" (1979), que é uma de suas obras mais conhecidas.
Ao conceder a ela o Nobel de Literatura de 1991, a Academia Sueca destacou sua "a magnífica escrita épica" e disse que Gordimer "tem sido de grande benefício para a humanidade".
A escritora nasceu em 20 de novembro de 1923, filha de imigrantes judeus. Cresceu em um bairro rico da pequena cidade de Springs.
Frequentou regularmente bibliotecas e começou a escrever aos nove anos. Seu primeiro romance, "The Lying Days" (1953), teve uma boa acolhida na crítica.
"Anos mais tarde, percebi que, se fosse negra, provavelmente não me tornaria uma escritora, uma vez que as bibliotecas que eu frequentava eram proibidas a eles", disse ao receber o Nobel.
Ela sempre se negou a deixar o país, mesmo nos momentos mais sombrios do apartheid, o regime de segregação racial que durou entre 1948 e 1994 no país.
Próxima de Nelson Mandela (1918-2013), a autora foi uma das pessoas que o líder sul-africano pediu para ver quando saiu da prisão, em 1990. Os dois fizeram parte do CNA (Congresso Nacional Africano), partido de defesa da população negra.
PODER PERIGOSO
Mesmo com a chegada do CNA ao poder, a partir da eleição de Mandela, Gordimer não hesitou em apontar os erros do partido. Ao criticar o atual presidente da África do Sul, Jacob Zuma, também do CNA, ela se disse decepcionada com seu partido: "O poder é algo perigoso mesmo".
A autora esteve no Brasil em 2007, participando da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty.
Gordimer se casou duas vezes. Viúva, deixa os dois filhos, um de cada união. Em comunicado, os filhos lembram que a mãe "se importava profundamente com a África do Sul, sua cultura, seu povo, e sua atual luta para perceber sua nova democracia".

Para ela, cabia à ficção iluminar labirinto da experiência humana

O fim do apartheid não moveu sua bússola literária. Continuou ficcionalizando as injustiças de seu país e da áfrica
CASSIANO ELEK MACHADOEDITOR DA "ILUSTRÍSSIMA"
À primeira vista, Nadine Gordimer impressionava por sua pequenez. Contribuíam para isso os pesados xales multicoloridos que trazia nas costas, de espessura incompatível com o tempo ameno daquele julho em Paraty.
Voz alquebrada e baixinha, cabelos brancos puxados para trás, num quase coque, óculos de aros finos, tinha ar de animalzinho indefeso.
E era todo o contrário.
"Qualquer escritor que tenha um mínimo de valor espera propiciar um brilho tênue para iluminar o belo e sangrento labirinto da experiência humana", disse ela, logo de cara, na Flip.
Era 2007 e, aos 84 anos, a sul-africana havia cruzado o Atlântico Sul para participar do festival literário local.
No painel "Panteras no Porão", que dividiu com o israelense Amós Oz, não demorou para exibir suas garras. Tinha longa trajetória nisso.
Gordimer crescera falando inglês numa cidadezinha onde a elite se expressava em africâner, era a judia na comunidade católica, a mulher branca cercada pelos homens negros que trabalhavam em minas de ouro da região.
Destes contrastes, e, mais, de sua indignação empertigada com o regime do apartheid, que se alimentava quase toda a sua ficção, com destaque para romances como "O Pessoal de July" (1981) e "A Filha de Burger" (1979).
O fim do apartheid não moveu sua bússola literária. Continuou ficcionalizando as injustiças de seu país e as do continente africano.
Em entrevista inédita à Folha, em fevereiro de 2013, já chegando aos 90, Gordimer estava vivamente indignada com uma lei prestes a ser aprovada na África do Sul, que limitaria a ação da imprensa local. "Querem nos proibir de saber sobre a corrupção", disse ela, em tom exaltado. Ela experimentara a censura: teve três livros banidos durante o apartheid.
Nelson Mandela, de quem veio a ser amiga --tomavam café da manhã uma vez por mês--, foi um dos mentores da vencedora do Nobel de 91.
Na ficção, celebrava autores como Bertolt Brecht e Albert Camus. "Como diz Camus, se você é escritor e não tem responsabilidades com as pessoas comuns, deve deixar de ser escritor. O único cuidado a ser tomado é que estas lutas não te impeçam de seguir criando e de explorar, pela ficção, todas as dimensões da vida", disse a pequena voz, antes de desligar. Folha, 15.07.2014.
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