terça-feira, 26 de novembro de 2013

Ernest Hemingway - Por quem os sinos dobram


INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN
Um labirinto de guerra e paixão
Key West, Flórida
De tempos em tempos, você lê um romance que não consegue tirar da cabeça. Você passa a viver num espaço intermediário entre a realidade e o mundo imaginário no qual foi introduzido. Isso me aconteceu recentemente com "Por Quem os Sinos Dobram", de Ernest Hemingway. Passei muito tempo com Robert Jordan, o herói dinamiteiro, no labirinto de sua Guerra Civil Espanhola.
O livro cobre um período de apenas três dias, mas são três dias carregados de quase toda a essência da vida: bravura, crueldade, traição, dignidade, idealismo, futilidade, esperança, humor e amor, no caso, a paixão avassaladora entre Jordan e sua beldade espanhola, Maria. É um amor malfadado -eles nunca chegarão à Madri com que tanto sonham-, mas completo em seu breve florescer.
Jordan veio do meio-oeste americano para lutar pela República, contra os fascistas. Ele acredita na justiça de sua causa. Luta "no êxtase purgador da batalha, de boca seca, purgado do medo" por "todos os pobres do mundo, contra toda a tirania". É essa crença que o imbui de um desapego potente. Jordan é capaz de uma concentração fria e feroz que lhe possibilita superar todos os obstáculos e cumprir sua missão de explodir uma ponte.
O que Jordan deseja não é complicado: "Ele abandonaria de bom grado a finalidade de um herói ou mártir. Não queria criar uma Termópilas, nem ser Horácio em alguma ponte, nem ser o garoto holandês com o dedo num dique. Não. Ele gostaria de passar algum tempo com Maria. Era essa a expressão mais simples do que queria. Gostaria de passar muito, muito tempo com ela."
E, se o tivesse feito, se ele e Maria tivessem chegado às largas avenidas de Madri, e se Jordan pudesse ter mostrado a ela os prazeres da cidade -se não tivesse morrido sobre as agulhas de pinheiro do chão da floresta, tão logo após completar sua missão-, esse amor poderia ter se tornado muitas coisas, mas é claro que não teria sido o que eles imaginavam. Sua perfeição é indissociável de sua brevidade movida a adrenalina.
Pouco depois de terminar a leitura do livro, e sem que isso tivesse sido planejado, cheguei a Key West, onde Hemingway escreveu boa parte do livro. Guias conduzem grupos de turistas pela bela propriedade do escritor e falam das mulheres de Hemingway, de todos os amores que não duraram. Gatos perambulam pelo jardim, onde os animais favoritos do autor descansam num cemitério de gatos, e casamentos românticos podem ser celebrados no local, mediante o pagamento de taxa.
Num estúdio separado nos fundos da casa, vemos a máquina de escrever de Hemingway sobre uma mesinha. Me emociono, imaginando o escritor sentado ali, trabalhando horas a fio, redigindo as palavras "a partir do momento em que você o escreve, tudo desaparece".
A caminhada curta da casa até o estúdio deveria ajudar com esse purgar necessário, representando uma separação entre a vida da família e a vida do escritor. Como observou o poeta polonês Czeslaw Milosz, "quando um escritor nasce em uma família, a família acaba".
"Por Quem os Sinos Dobram" é o livro de um momento -um momento breve, mas suas verdades se aplicam a qualquer guerra. O derradeiro ato de Jordan, com sua derradeira respiração -depois de persuadir Maria a seguir seu caminho, pois agora ela viverá por eles dois-, é matar um homem, o tenente Berrendo, um fascista esboçado suficientemente em um trecho anterior para ter se tornado um ser humano. O desperdício é ainda mais doloroso por ser meramente citado de passagem. A guerra é desperdício encerrado em ciclos aparentemente inquebrantáveis.
Um dos ótimos personagens secundários é Karkov, jornalista russo do "Pravda". É um comunista dotado de lendário poder de sedução, combatente pela causa da República, que se interessa por Jordan porque crê que o jovem americano possui o potencial de tornar-se escritor -"de escrever com verdade absoluta, e isso é muito raro". O próprio Karkov é cínico. Ele comenta: "Sou jornalista. Mas, como todos os jornalistas, tenho o desejo de escrever literatura". Diz também: "Sempre confundo os fatos. Essa é a característica do jornalista."
Talvez seja a característica de um jornalista do "Pravda" ou talvez seja a característica de um romancista. Como observou o escritor israelense Amos Oz, "às vezes os fatos se tornam inimigos mortais da verdade". Hemingway, jornalista quando lhe convinha, era mestre dos fatos, tanto assim que conseguia moldá-los, criando arte cujas verdades, anos depois, podem tomar conta da mente como faria uma visão.
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