quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Bico grosso

Vencedor do prêmio Pulitzer, 'O Pintassilgo', terceiro romance da americanaDonna Tartt, chega ao Brasil após frisson nos EUA
MARCO RODRIGO ALMEIDADE SÃO PAULO
Tal como um terremoto, Donna Tartt faz a terra tremer de tempos em tempos.

Mais exatamente de dez em dez anos, a escritora americana, 50, publica um romance que faz sensação entre críticos literários e leitores de diversos países.
O terceiro livro da autora chega agora ao Brasil, depois de alcançar o topo da escala Richter nos EUA. "O Pintassilgo" venceu o prêmio Pulitzer de ficção, um dos principais em língua inglesa; está há mais de 40 semanas na lista de best-sellers do "New York Times"; vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares; foi publicado em 28 línguas; será adaptado para o cinema pelo estúdio Warner Bros.
"O Pintassilgo" começa em um hotel de Amsterdã, onde o protagonista, Theo Decker, está escondido, delirando de febre e lendo notícias sobre seus crimes. A vida de Theo virou de ponta cabeça 14 anos antes, quando ele, ainda garoto, perdeu a mãe em uma explosão no Metropolitan Museum de Nova York.
Depois da tragédia, Theo passa por uma sucessão sem fim de infortúnios, envolvendo o mercado negro de arte, drogas, perseguições. Alguns fatos parecem estapafúrdios, mas a narração rica e empolgante prende o leitor até o fim do caudaloso romance (são mais de 700 páginas).
"A gestação de um romance é misteriosa e difícil de explicar, até mesmo para mim, embora possa dizer que a história quase sempre é precedida pela escolha do lugar, pelo cenário da trama", comentou Donna Tartt, por e-mail.
"Eu já queria escrever sobre Amsterdã havia uns 20 anos. E também estava interessada em retratar o lado negro de Nova York. Muitos elementos diferentes foram combinados de forma inesperada."
Outro exemplo disso é o título do livro, retirado de um pequeno quadro de 1654 do pintor holandês Carel Fabritius que exerce papel central na história. Após a explosão do museu, da qual escapa milagrosamente, Theo recolhe a tela e a leva em uma mochila.
Fabritius (1622- 1654) morreu em uma explosão, mas Tartt diz que não pensou nisso ao criar o destino da mãe de Theo."Eu escolhi a pintura antes de saber como Fabritius havia morrido", disse.
"Para mim, parte da atração é que Fabritius é um grande pintor, mas muito pouco conhecido. Era quase como se eu estivesse escrevendo sobre um pintor mitológico. Então isso me deu muita liberdade."
MISTÉRIOS
Nos EUA,"O Pintassilgo" foi chamado de "um clássico do século 21". Parece cedo para tal afirmação, mas a carreira de Tartt foi prodigiosa desde o início.
O primeiro romance já lhe valeu no meio literário a fama de talentosa. "A História Secreta", lançado em 1992, narra um assassinato cometido por estudantes de uma faculdade de elite durante uma orgia regada a drogas e discussões filosóficas.
O livro fez estrondoso sucesso de público e crítica. Inspirou uma espécie de devoção cult entre os jovens e universitários da época.
A legião de fãs, entretanto, teve de esperar um longo tempo pelo próximo da escritora. "O Amigo de Infância" só chegou às livrarias em 2002. É outra história brutal, desta vez sobre o assassinato de uma criança nos anos 1970.
Os três romances de Tartt combinam crimes, suspense, e densidade psicológica.
Tartt também é habilidosa em preservar os mistérios em torno de si, o que contribui para reforçar o mito. Evita aparições públicas, dá poucas entrevistas, se esquiva de perguntas pessoais. Pouco se sabe de sua vida além da obsessão que a leva gastar uma década para escrever um livro.
"Esse é meu jeito de trabalhar. Gosto de explorar as coisas em profundidade. Adoro a sensação de riqueza que você pode conseguir ao passar muito tempo com um texto."

CRÍTICA - ROMANCE

Livro é prolixo e exagerado, mas nunca se torna monótono

ANDRÉ BARCINSKIESPECIAL PARA A FOLHA
"O Pintassilgo", da americana Donna Tartt, é um fenômeno editorial, caso raro de livro que agrada tanto ao público quanto à crítica. Esse tijolo --728 páginas na versão brasileira-- vendeu 1,5 milhão de cópias nos EUA e ganhou o prêmio Pulitzer de ficção.
Mas nem todas as críticas foram elogiosas. Algumas publicações importantes, como "The New Yorker" e "The Paris Review", o desancaram. James Wood, crítico da "New Yorker", disse à revista "Vanity Fair": "O sucesso do livro é prova da infantilização de nossa cultura literária, um mundo em que adultos andam por aí lendo Harry Potter'".
"O Pintassilgo" sai agora no Brasil, quase um ano após sair na Europa e nos EUA. É difícil, portanto, falar sobre ele sem levar em conta todo o "hype" e as discussões sobre seus méritos --ou ausência deles.
Donna Tartt fez um livro grande e ambicioso, com muitos personagens e uma história intrincada. Tudo começa quando Theo Decker, um garoto de 13 anos, vai com a mãe, Audrey, a um museu em Nova York. Há uma explosão, um atentado terrorista, e Audrey morre. Theo escapa dos escombros carregando um pequeno quadro, "O Pintassilgo", pintado pelo holandês Carel Fabritius em 1654.
A tragédia muda a vida de Theo para sempre. Sem parentes próximos --o pai, alcoólatra e viciado em jogo, abandonara a família--ele vai morar no apartamento luxuoso da família de um amigo, onde se sente triste e deslocado.
O livro, com seu retrato cinza de uma juventude destruída, foi comparado a Dickens. Mas em Theo Decker há ecos do niilismo de Holden Caulfield de "O Apanhador no Campo de Centeio", de Salinger, e das aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn, de Mark Twain, especialmente quando Theo acaba em Las Vegas, morando com o pai trambiqueiro, e fica amigo de Boris, com quem faz uma parceria de pequenos crimes.
O livro é um tanto prolixo, e a história dá tantas voltas que se torna quase um conto de fadas: Theo reencontra uma menina que vira no dia do atentado, envolve-se com falsificadores de arte, mete-se com bandidos e acaba em um tiroteio sangrento. Apesar de exageros, o livro nunca se torna monótono, e a curiosidade sobre o destino de Theo supera eventuais excessos.
Dá para entender por que "O Pintassilgo" fez tanto sucesso. É uma boa história, contada de maneira lúdica e com toques de humor. Se merece o Pulitzer, é outro assunto. Mas esse problema é do Pulitzer, não do livro.
    QUE QUADRO É ESSE?

    O holandês Carel Fabritius (1622-1654) pintou "O Pintassilgo" em seu último ano de vida. Discípulo de Rembrandt e mestre de Vermeer, morreu numa explosão aos 32 anos.
    Quase todos os seus quadros se perderam. A tela está exposta no museu Mauritshuis, em Haia (Holanda). Após o sucesso do livro de Donna Tartt, o quadro passou a ser um dos mais procurados do museu. Folha, 27.08.2014.
    www.abraao.com

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